Recordo-me de Antero. O intr�ito deste texto j� estava gizado, mas elidi-o quando o pensamento, ao fluir, se encontrou com �as causas da decad�ncia�� Embarguei-o. N�o podia introduzir aspas no intang�vel, mas a sensa��o de rapina infiltrou-se. E recordei Antero, autor do percuciente ensaio �As causas da decad�ncia dos povos peninsulares�. Amputo as duas �ltimas palavra, abdico do plural precedente, e assoma �As causas da decad�ncia de Portugal�.
Seria petul�ncia exacerbada acreditar que seria capaz de perscrutar as raz�es que subjazem ao decl�nio de Portugal. N�o �, destarte, meu prop�sito proceder a uma prolixa exposi��o que incida sobre os nutridores da decrepitude portuguesa, pelo que me cinjo � detec��o da mais excruciante p�stula que criva o corpo de Portugal: a lassid�o c�vica. Se a pol�tica apresenta m�culas, n�o � intelectualmente probo ilibar o povo. O �partidarismo� monopolizou a vida c�vica, tendo-se esva�do toda o enlevo que a pol�tica, logo ap�s o 25 de Abril, infundia nas massas. Hoje, o povo mant�m-se distante e entorpecido. A desilus�o levou a que, progressivamente, as massas alienassem as suas responsabilidades c�vicas, delegando a miss�o de edificar Portugal na classe pol�tico/partid�ria. Quando se manifesta o �povo�? Vocifera quando uma c�mara explora as suas lam�rias plangentes, ou quando sente que um dedo esguio e astuto provoca pruridos perto das virilhas. �Mexem-nos nos bolsos�, bradam. Depois hibernam. E a �res publica� volta a ser de uns, reduzindo-se grande parte dos di�logos sobre �a pol�tica� aos argumentos carcomidos, segundo os quais �os pol�ticos s�o todos iguais�. Nem di�logo �. S�o verrinas rudes, com meneios de cabe�as. Aquiescentes ou n�o, dependendo do contexto. Mas existem raz�es, porque faltam ideais impolutos, credibilidade. Faltam, essencialmente, est�mulos que incutam nas massas a cren�a de que � poss�vel depurar a democracia.
Alegre, acabrunhado, abdicou da sua candidatura por raz�es de fidelidade partid�ria. Apesar de compreender o intento de n�o provocar cesuras na esquerda, digladiando-se contra o candidato oficial do �partido�, Alegre golpeia o ideal c�vico ao sucumbir �s l�gicas partid�rias. Se �a Rep�blica n�o tem donos�, a Democracia tamb�m n�o. Sendo assim, exaspera-me assistir � prostra��o de um cidad�o devido � palavra de um partido. A Democracia faz-se com os cidad�os, incluindo os apartid�rios, como eu. Se Alegra est� no seu �quadrado�, manietado pelo partido e ref�m deste, ergam o gl�dio c�vico os cidad�os que repudiam a redu��o da pol�tica ao partidarismo. Ergamo-nos, pois, n�s. Erga-se, pois, Alegre. Ergamo-nos todos, alegres.
A pol�tica n�o se faz sem o sonho, e os portugueses deixaram de sonhar. S�o eles, na verdade, os seus pr�prios castradores. A mera hip�tese de Alegre se insurgir, com um vasto sustento c�vico destitu�do de elos partid�rios, contra a modela��o do regime em fun��o das voli��es egoc�ntricas dos partidos, originaria, acredito, a ades�o daqueles que, estremunhados, regressam do ex�lio c�vico. Alegre faria sonhar, como outrora, quando evidenciava a sua �ndole refract�ria contra a opress�o ditatorial. Tamb�m h� opress�o em Democracia. Se Manuel Alegre contribuiu para erigir a Democracia, pode auxiliar na miss�o de aprimor�-la.
Em nome da cidadania, em nome da Democracia, decalco Antero e, dirigindo-me �A um Poeta�, exorto: Surge e ambula!
A um Poeta
Tu que dormes, esp�rito sereno,
Posto � sombra dos cedros seculares,
Como um levita � sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.
Acorda! � tempo! O sol, j� alto e pleno
Afugentou as larvas tumulares�
Para surgir do seio desses mares
Um mundo novo espera s� um aceno�
Escuta! � a grande voz das multid�es!
S�o teus irm�os, que se erguem! S�o can��es�
Mas de guerra� e s�o vozes de rebate!
Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!